Atleta da Semana


Vítor Guimarães Mourão Salgado, da ABA/Fundesport/Araraquara

Assim como um jogo de basquete, a vida muitas vezes nos coloca em situações em que a derrota parece irreversível. No basquete, a força de vontade e a fé podem fazer toda a diferença para uma bola arremessada do meio da quadra adentrar a cesta no último segundo de jogo e transformar a amargura em uma explosão de alegria. E foi justamente esse ‘esquema tático’ baseado na força de vontade e na fé que fez o atleta Vítor Guimarães Mourão Salgado ‘virar o jogo’ em sua vida.

Vítor tem 19 anos de idade e defende a equipe juvenil da ABA/Fundesport desde o início do ano. Quem o vê treinando entre os outros garotos na quadra do Gigantão não imagina as dificuldades que ele passou para estar ali, alicerçando o grande sonho de sua vida, que é de um dia vestir a camisa da Seleção Brasileira.

O jovem nasceu em São Paulo e revela que seu esporte preferido na infância era o futebol, até que aos 14 anos, um professor de educação física da escola onde estudava o recomendou a praticar o basquete pelo fato de ser bem mais alto que os outros meninos de sua idade. “Fiz algumas aulas e comecei a tomar gosto”, resume.

Em pouco tempo, o esporte da bola laranja o conquistou. Se inspirava ao ver vídeos do ídolo Michael Jordan e passou a se animar com a ideia de um dia ganhar a vida fazendo aquilo que para ele era sua maior diversão.

Fez teste nas categorias de base do Banespa de São Paulo e conquistou seu espaço no time pelo qual atuou na temporada 2011. De lá, partiu para o Círculo Militar, outra equipe da capital paulista, e posteriormente passou pelo Espéria, também de São Paulo.

 

Sonho interrompido

No final do ano de 2014, acertou seu retorno ao Círculo Militar, onde atuaria pela primeira vez no time juvenil em 2015. Ao mesmo tempo em que vivia intensamente o esporte, também se preparava para o vestibular. Antes do ano promissor que teria pela frente, Vítor, que estava de férias na praia com a família, viu sua fase de planos e sonhos ser interrompida. “Comecei a sentir muito cansaço, dor de cabeça, tosse, indisposição e falta de ar. Fui ao médico e a primeira suspeita era de dengue”, relembra.

A situação se agravou no dia 11 de janeiro de 2015, data em que faria a segunda fase do vestibular da Unicamp. Não conseguiu fazer a prova e ao invés disso foi novamente para o hospital, onde foi medicado e orientado a voltar lá caso não tivesse melhora. Acabou voltando e realizou alguns exames, como raio-X e tomografia, que permitiram ao médico lhe revelar o diagnóstico de Linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer no sistema linfático.

“Tenho muito claro aquele momento na minha cabeça. Eu estava sentado, esperando que ele me dissesse que era dengue ou algo parecido. Quando recebi a notícia, minha perna começou a tremer e eu fiquei sem controle sobre ela. Eu tinha a certeza de que iria morrer”, conta Vítor, que no mesmo dia foi internado e passou por uma biópsia. “Foi a parte mais difícil. Ficava uma mangueira drenando e doía até para tossir. Só podia ficar deitado e eu tinha de fazer tudo deitado”, relembra.

Devido às sessões de quimioterapia e a grande quantidade de medicamentos, o médico decidiu colocar um catéter no jovem, pois sua veia não aguentaria. “Passei por outra cirurgia e ao mesmo tempo foi feito uma biópsia de medula óssea para saber se o problema havia se espalhado. Não tinha possibilidade de retirar porque era muito grande”, relata Vítor, que chegava a ficar quatro dias internado para realizar a quimioterapia. Algumas vezes, após a sessão, o médico falava que ele poderia passar uma semana em casa, mas assim que chegava em casa ele voltava a se sentir mal e retornava para o hospital, por conta da baixa imunidade a bactérias.

 

Força da família

O jovem conta que a família foi de extrema importância no momento mais turbulento de sua vida. “Sinto que para eles foi mais difícil do que para mim. Foi graças a eles que tirei força e a situação ficou mais fácil de superar. Quando eu pensava em desanimar, eu não desanimava para não vê-los tristes. A doença uniu a família”, conta Vítor, que é filho de João Paulo e Márcia e tem um irmão mais velho, Fellipe.

Uma das ‘cicatrizes’ deixadas pela doença não pode ser vista em seu corpo. Ele conta que, na ocasião, os pais decidiram esconder a doença dos avós. “Os dois eram bem doentes, vinham de cirurgias no coração e estavam bem fraquinhos. A família entrou em um consenso de não deixá-los saberem, pois poderiam não aguentar a notícia e isso poderia causar complicações. Então tiveram que falar para eles que eu passei em uma faculdade do interior, já que eu estava mesmo prestando vestibular. Disseram que eu estava lá, por isso não estava indo visitá-los e não estava aparecendo muito. Eles não poderiam me ver sem cabelo, no estado em que eu estava. Foi uma coisa bem complicada. Quase no final do tratamento eu perdi o meu avô e não pude ter meus últimos momentos com ele, por conta da doença e por não poder ir até lá. Isso foi uma das coisas mais difíceis, pois perdi meu avô e não pude aproveitar o que seria meu último ano com ele”, relata emocionado.

 

Superação com o basquete

Com o passar do tempo, os exames de Vítor passaram a mostrar uma remissão gradativa da doença. “Teve uma diminuição de 50% e não foi necessária outra cirurgia. Vai ficar para sempre em mim, mas está normalizado, sem atividade”, conta o jovem.

Um amigo que sempre esteve ao seu lado é Guilherme Malfi, que também é atleta de basquetebol. Guilherme jogava em um time de Poá que tinha como técnico seu próprio pai, e certo dia chamou Vítor para acompanhá-lo em um treinamento.

Dentro da quadra, Vítor recebeu a bola e começou a conhecer a força que pode ser gerada pelo esporte. “Eu ainda estava em tratamento e só de arremessar eu já me senti cansado, mas a sensação foi muito boa. A vontade de voltar a jogar era muito grande. Decidi que queria voltar a fazer aquilo e essa vontade me motivou ”, destaca o atleta, que aos poucos foi voltando a fazer o que mais gostava.

“Em janeiro deste ano, eu voltei a treinar e passei a procurar um time. Tentei entrar em vários e na minha última tentativa eu consegui entrar no time de Araraquara, graças novamente ao meu amigo Guilherme, que conversou com o técnico Fábio Appolinário, que deu me deu uma chance. Fiz o teste e deu certo”, comemora.

Vítor, que ainda utiliza o catéter, conta que ainda não está com 100% de suas condições físicas, mas é questão de tempo para voltar ao seu nível ideal. “Fiquei um ano parado, mas sei que só depende de mim para recuperar o nível de condição necessário. Vontade não falta”, acrescenta o jovem. “Agradeço muito ao técnico Fábio Appolinário, ao Eduardo Di Pói, ao Mazon, ao preparador físico Fábio e toda a comissão técnica por me darem essa oportunidade de me recuperar aqui”, completa.

Ao conceder a entrevista no Gigantão, Vítor fixou seus olhos na tabela do ginásio para valorizar os fatores que fizeram a diferença em sua história de superação. “Sem o esporte, sem minha família e sem Deus, eu poderia ter me entregue à doença. O esporte me deu a vontade de me curar logo para voltar o quanto antes e isso me ajudou muito. O esporte é a minha vida”, finaliza o atleta, que hoje sabe exatamente o verdadeiro significado da palavra vitória. Uma palavra que o faz sonhar alto e saber que a força de vontade e a fé podem levá-lo a qualquer lugar.

Texto: Carlos André de Souza (Jornal “O Imparcial” de Araraquara)